O bom crioulo

Por Marla Rodrigues

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Na calmaria do mar os marinheiros se enfileiravam para ver o castigo que três deles receberiam devido a infrações dentro do navio. Entre eles estava Amaro, o bom crioulo. Era um negro forte, ex-escravo fugido, metia medo nos companheiros. Entrara pra marinha e se destacava, por muito tempo sonhou navegar e agora ali estava em uma embarcação. Recebeu como punição algumas chibatadas que agüentou com dureza.

Estava sendo punido por brigar com outro companheiro. Brigara com ele por conta de Aleixo. Aleixo era um rapazinho do sul, loiro de olhos azuis; Amaro quando o viu se encantou e o fez protegido, mas sua estima ia além da amizade: desejava Aleixo como homem deseja mulher. No decorrer da viagem os dois criaram laços de amizades.

Com pouco tempo a viagem acabou e os dois desembarcaram no Rio de Janeiro. Amaro planejava no navio que eles fossem juntos até a Rua da misericórdia onde D. Caroline vivia em um sobradinho a alugar quartos. Ela era sua conhecida por uma vez ter-lhe salvado a vida. Alugaram um quarto colado ao sótão e ali viveram como dois amantes. Amaro tratava Aleixo como um escravo a satisfazê-lo, mas a afeição existia. D. Carolina brincava que juntos acabariam tendo um filho.

Embarcavam e trabalhavam no mesmo navio e juntos voltavam a terra unindo-se em seu quartinho. Foi assim até que Amaro foi chamado a serviço em outra embarcação, eles combinaram o dia para que voltassem juntos e se encontrassem no sobradinho. Mas, no navio de Amaro ele só podia desembarcar uma vez por mês. A boa referência de seu trabalho garantida pela convivência satisfatória que levava na Rua da misericórdia fazia-o mais requisitado.

Um dia Aleixo desembarcou e Amaro não estava no quartinho. Ele sozinho na cama a fumar planejou, pela primeira vez, encontrar outro homem. Era bonitinho, poderia achar outro, já estava acostumado às relações com o mesmo sexo. Foi nesses tempos que D. Caroline desejou possuí-lo. Inicialmente ele mostrava por ela um pudor, mas ela se insinuava. Convidou-o para ir ao quarto dela e foi ali que ele esteve com a primeira mulher de sua vida. Os dois passaram a viver um romance. Aleixo a desejava e a recíproca era verdadeira.

Amaro apareceu e desta vez quem não estava no quartinho foi Aleixo. Amaro vasculhou o quarto em busca de traição e depois saiu à rua, pensando em se ajeitar com alguma mulher e abandonar Aleixo. Acabou se embebedando, tornou-se uma fera e conseqüentemente entrou em uma briga. Por tal, acabou levado por um capitão à sua embarcação, passou a primeira noite preso e no dia seguinte recebeu o castigo. Foram cento e cinqüenta chibatadas, as quais levaram o negro ao hospital.

Aleixo e D. Caroline possuíam-se. Ele queria por tudo esquecer a figura do negro por qual nunca sentira nada e de quem guardava até certo rancor. Amaro estava no hospital, sentia-se ali preso, o que lhe torturava devido a sua paixão pela liberdade. Com o decorrer dos dias Aleixo vivia com Caroline e exigia-lhe fidelidade. E Amaro, inválido no hospital, morria de saudade, desejo, ciúme, raiva por Aleixo.

Conseguiu o negro que um bilhete fosse escrito a Aleixo, narrando-lhe onde estava, seu estado e pedindo uma visita. Aleixo não apareceu e, assim, a raiva e o ciúme do negro aumentaram, ele acreditava que o rapazinho arrumara outro homem e sofria.

Depois de um tempo o bilhete chegou a Rua da misericórdia, Caroline o rasgou, temia o bom crioulo. Nesta noite trancou as portas. Quando Aleixo voltou e teve com a porta trancada encheu-se de desconfiança sobre uma traição. A má situação que se estabeleceu levou Caroline a contar o que a levara a trancar-se. Aleixo cogitou uma visita ao negro, mas ela afirmou que era melhor que não, Amaro acabaria por esquecer-se do rapaz.

Então em um dia de visita, Herculano, ex-companheiro de Amaro nas embarcações, apareceu em visita a um doente. Amaro teve com ele e disfarçado indagou sobre Aleixo. Recebeu de reposta que ele estava metido com oficiais e que saía e entrava quando queria, acreditavam até que tinha uma rapariga.

Depois da partida de Herculano, Amaro planejou sua fuga. Mais que nunca queria ter com Aleixo, era uma raiva e também um desejo de possuí-lo provocando-lhe dor. Escapou do hospital pulando a janela durante a noite, chegou ao mar e esperou até que um homem passou em um barquinho. Tomou carona e chegou ao cais. Vagou pela cidade, até chegar ao sobradinho da Rua da misericórdia, que aparentava estar abandonado.

Foi à padaria praticamente em frente e indagou pelos moradores. Descreveu Aleixo e D. Caroline. Ainda viviam ali, havia boatos de que se arranjavam juntos e saíam a passeios à noite. Amaro descreveu-os novamente, não acreditando. Foi confirmado e em seguida Aleixo saiu à rua. O negro foi ter com ele.

Pegou o rapaz e com fúria chamava-lhe de safado e lhe culpava pelo estado em que se encontrava. Aleixo se acovardou. Amaro falava baixo, porém ameaçador. Logo o povo se aglomerou em volta. No fim, D. Caroline saiu à janela e viu do meio da multidão ser retirado o corpo frouxo e ensangüentado do rapazinho, morto a navalhadas. Descendo a rua ia o negro, preso pelos guardas.

Por Rebeca Cabral