Penélope

Por Wanessa de Almeida

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Aqui somos apresentados a rotina de um casal que desfruta da rotina de um casamento de longos anos. Ele sai para trabalhar enquanto ela ficava em casa tricotando. E no fim do dia ela o espera na varanda e ele lhe dava um beijo. Trabalhavam juntos no quintal e ele ajudava com as louças. No sábado saiam de braços dados no passeio único e semanal.

Viviam sozinhos. Supostamente os filhos morreram anos atrás. E Penélope quando sozinha oferecia um osso ao cão velho que aparecia na porta. Em casa enquanto ele fumava e lia o jornal, ela tricotava.

Em um sábado, voltando do passeio rotineiro encontraram uma carta no chão da casa. Demoram a abri-la. Apenas duas palavras retiradas de alguma revista ou jornal e coladas ali. Sem remetente, data ou qualquer outra coisa. Ele leu e em seguida ela, disse que queimasse, mas ele guardou a carta.

Desde então se fez um costume. Todo sábado uma carta era encontrada à porta deles. Não demoraram a surgir dúvidas na cabeça dele. Cheirava os vestidos dela, prendia um fio de cabelo na abertura da carta, criando “teias”, a fim de que caso ela lesse a carta ele soubesse. E como nada acontecia se perguntava se Penélope não havia aprendido a não deixar rastro. A noite levantava da cama e a via mexendo nos tricôs e se perguntava se não estava desmanchando para assim justificar o atraso no trabalho. Comprou um revólver, um dia chegou até mesmo a apontá-lo pra ela, mas conteve-se.

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Certa manhã a encontrou na cama, as agulhas de tricô tradicionalmente cruzadas, o bordado terminado, ela vestida de branco e ensangüentada. Suicidara.

O velório foi feito. Ele carregou o caixão por uma de suas alças, saiu do enterro antes que toda a terra fosse jogada sobre a cova. Em todo o tempo afirma mentalmente que fora justo. Pensa que ela pagou pelo crime, por hora pensa se ela não foi inocente, se não era apenas cartas entregues na porta errada, mas logo volta a afirmar para si mesmo que foi justo. Pergunta-se do amante, se vendo a movimentação não se afugentou. Ou se era um dos que acotovelada enquanto carregava o caixão.

Como de costume, era sábado, saiu a passeio. O braço dado para ninguém, mas acomodado a rotina. Ao chegar em casa, pisa em mais uma carta. Senta-se e lê o jornal em voz alta para evitar o silêncio.

Por Rebeca Cabral